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quinta-feira, 2 de junho de 2011

8°Fichamento da Gincana

Ciência & Educação, v. 11, n. 2, p. 223-233, 2005

A CONSTRUÇÃO COLETIVA DO CONHECIMENTO
CIENTÍFICO SOBRE A ESTRUTURA DO DNA

Scheid.N.M.J; Ferrari.N; Delizoicov.D

“O modelo de dupla hélice, atualmente aceito para descrever a estrutura da molécula
de DNA, é atribuído a James Watson e Francis Crick, por sua publicação na Revista Nature,
de 25 de abril de 1953. Hoje, passados mais de cinqüenta anos desde esta publicação, muito
já se escreveu sobre a história desse fato científico em livros e artigos.”(...)   (Pg 225)

“Ao buscar, na literatura, artigos sobre a história da biologia molecular, percebe-se
que, embora a publicação da estrutura do DNA tenha ocorrido em 1953, as evidências do
DNA como material responsável pela informação genética surgiram muito antes. Em meados
da década de 1880, já se falava no núcleo como sede da hereditariedade e que a cromatina (ou
cromossomos) constituía o material genético (MAYR, 1998).”
(Pg225)

“O termo biologia molecular foi proposto por Warren Weaver, da Fundação
Rockefeller, em um relatório publicado na revista Science, de 1938, para descrever como os
fenômenos biológicos podem ser compreendidos fundamentalmente pelo conhecimento das
estruturas das moléculas e das interações e das alterações destas. Gradualmente foi sendo utilizado
para designar mais especificamente as pesquisas relacionadas aos genes, mas apenas em
1953 é que se percebeu de forma dramática esta correlação estrutura-função, com a proposição
da dupla hélice (WEAWER, 1970; NOUVEL, 2001; MENEGHINI, 2003).
Entretanto, como já foi mencionado na introdução, desde a década de 1880 havia a
idéia de que o núcleo poderia ser a sede da hereditariedade, de que a cromatina (ou cromossomos)
constituía o material genético e, mais tarde, de que os genes poderiam ser moléculas,
apesar de não existir um consenso dentro da comunidade científica a respeito.
Em 1869, quando ainda não havia antibióticos e as infecções hospitalares eram
muito comuns, o médico, fisiólogo e químico orgânico suíço Friedrich Miescher (1844-1895),
trabalhando com células purulentas, extraiu uma substância que hoje conhecemos como sendo
o DNA, e chamou-a de nucleína. A síntese desse seu trabalho com DNA foi publicada em
1871. Ele, contudo, nunca encarou a nucleína como portadora de informação genética, e seu
trabalho foi pouco relevante no meio científico da época, que via as proteínas como as únicas”
moléculas com a complexidade estrutural necessária ao material genético (OLBY, 1994;
MAYR, 1998; HAUSMANN, 2002).

(Pg225,226)


“A partir da perspectiva histórico-epistemológica de Fleck e dos relatos de historiadores
da biologia, poderíamos considerar que o estado do conhecimento da época permitia considerar
as proteínas como candidatas mais prováveis ao papel de portadoras do material genético porque
se pensava que a estrutura do DNA era simples. Os conhecimentos disponíveis até então,
indicavam que as proteínas eram mais complexas estruturalmente que o DNA. Foi esse estado
do conhecimento, na época, que imprimiu na personalidade dos cientistas um estilo de pensamento,
isto é, uma determinada abordagem para a busca de soluções dos problemas. Esse
estado do conhecimento pode ter sido o responsável pela desmotivação dos pesquisadores para
buscar entender como o DNA poderia ser a molécula portadora dos genes.
Para Fleck (1986), quando a teoria dominante ou estilo de pensamento está devidamente
instaurado, passa por um período clássico constituindo a “harmonia das ilusões” e, nesta
fase, só se observam fatos que se encaixam perfeitamente na teoria dominante.
Os relatos de Hausmann (2002) e de Mayr (1998) parecem indicar que, talvez devido
à sua formação, Miescher se dedicou mais a questões fisiológicas ou puramente químicas
do que a questões genéticas. Conforme Mayr (1998, p. 903), ele declarou em 1872 que seu
desejo era ocupar-se com “os aspectos fisiológicos da nucleína, sua distribuição, sua associação
química, seu aparecimento ou desaparecimento no corpo, sua transformação”. Isso, de acordo
com Fleck (1986), reflete uma das etapas do desenvolvimento do estilo de pensamento, que é
o ver formativo direto e desenvolvido. Os iniciantes em um coletivo são preparados, treinados,
doutrinados a olhar o “mundo”, elaborar problemas e buscar respostas em sintonia com o estilo
de pensamento inserido em um determinado coletivo de pensamento. Este processo determina
que ao “olhar” para o objeto, o membro de um coletivo apresente um estilo de pensamento que
orienta sua prática e guia o que observar, o que olhar e como olhar.
Miescher, inserido num contexto histórico-cultural, mediado por um estilo de pensamento,
contribuiu com o impulso inicial para o entendimento da biologia molecular. No
entanto, pode-se inferir que se o conhecimento sobre a natureza química do material genético
não avançou mais rapidamente após os trabalhos de Miescher, foi porque a comunidade científica
partilhava de um estilo de pensamento que a levava a acreditar que a nucleína, extraída
apenas do núcleo das células, era uma substância simples demais para dar conta da arquitetura
incrivelmente complexa do material genético. De acordo com Mayr (1998, p. 907), no final da
década de 1880, “os citologistas já haviam dado todas as contribuições possíveis, permitidas
pelos seus métodos”. Para eles, a cromatina – que já sabiam consistir-se basicamente de DNA –
satisfazia todas as exigências do material genético. Mas, como não se preocupavam com a natureza
química e com o tamanho da substância, eles não perceberam que o papel do DNA, na
hereditariedade, jamais poderia ser compreendido se não fosse entendida a sua estrutura. Desse
modo, por muitos anos a questão da natureza do DNA passou a ser assunto da química. Foram
muitos os pesquisadores envolvidos nessa tarefa, e foi apenas por volta de 1930 que se obteve o
conhecimento de que todas as células dos animais e das plantas possuíam tanto o DNA como
o RNA, mas com idéias ainda muito vagas sobre o papel dessas substâncias nas células.
As bases nitrogenadas – citosina, guanina, adenina e timina – haviam sido identificadas,
na virada do século, por Albrecht Kossel (1853-1927) (OLBY, 1994). “
(Pg226)

“análises foram feitas apenas em DNA de vertebrados, a idéia que predominava era, segundo o
modelo proposto por Phoebus Aaron Levene (1869-1940), de que o DNA era uma molécula
relativamente pequena, com uma estrutura longitudinal, constituída por um eixo de desoxirribose
e fósforo, ao qual as bases nitrogenadas se conectavam (OLBY, 1994; MAYR, 1998). A idéia
corrente naquela época sugeria que a informação genética deveria ser transportada por quantidades
diferentes de cada base. Mas Levene indicou que o DNA sempre continha quantidades iguais
das quatro bases e possuía, portanto, uma estrutura muito simples.
Um passo significativo foi dado quando, em 1944, Erwin Schrödinger, um dos pioneiros
da mecânica quântica, sugeriu em seu livro What is Life? que os genes seriam “cristais
aperiódicos”. Esses cristais aperiódicos seriam formados por arranjos de diferentes elementos
isômeros, o que atualmente poderia ser chamado de blocos de construção ou nucleotídeos, em
cujas variadas seqüências seriam codificadas as diferentes informações genéticas. Para ele, o
comportamento da matéria viva, embora obedecendo às conhecidas leis da química e da física,
é ditado por outros fenômenos físicos ainda desconhecidos (SCHRÖDINGER, 1997).
Quando o conhecimento sobre a composição química do DNA se ampliou, entre os
anos de 1930 e 1940, formou-se o conceito de macromoléculas polimerizadas, ocorreu uma
complicação no estilo de pensamento vigente. Passaram a ser empregados os métodos que as
grandes moléculas exigiam (centrifugação, filtragem, absorção de luz, entre outros) e as moléculas
de DNA, para grande surpresa de todos, revelaram-se significativamente maiores em relação
às primeiras estimativas. E, sendo elas de fato bem maiores que as proteínas, afastavam
completamente a principal objeção contra a teoria do DNA como portador da informação
genética (MAYR, 1998).

(Pg227)

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